Ainda que

Abre a janela e não vê um raio de sol. Ainda que a chuva caia sem parar do lado de fora, você levanta. Levanta porque não tem outra opção, levanta porque não pode dizer não. Você caminha até a sua cozinha, esquenta o café ou um chocolate e toma. Não liga a televisão porque o barulho te irrita. Você torce pra que algo aconteça e você possa ficar ali o dia todo. Você pega seu celular, torce pra ter uma mensagem de alguém, digamos, interessante. Você abre a conversa, pensa... Pensa demais e acaba deixando pra lá.

"Outro dia quem sabe?"

E quem sabe quantas coisas acontecem de um dia pro outro? Não faz mal, a vida é assim mesmo. Não é culpa sua, e nem de ninguém. Você tem coisas mais importantes pra fazer, não é? Tem trabalho, família, amigos, faculdade. Você tem tudo, até nada. E mesmo que tenha nada, ainda arruma uma desculpa para parecer tudo.

Você anda até o ponto. As gotas que caem, agora finas e calmas, não te incomodam mais. Na verdade você até gosta de sentir um pouco da natureza, já que você nem lembra mais o que é isso porque você vive entre muros de concreto e prédios que se sobressaem a todo e qualquer verde. Torce para que o sol surja entre as nuvens, mesmo sabendo que ele não vai dar as caras. Entra no ônibus, sorri para o motorista, e este, não te responde, parece tão cansado de tudo quanto você. Dá os ombros e segue pra sua rotina, sem nem se perguntar o que há de errado com ele, sem nem se perguntar o que há de errado com você.

Oito horas diárias. Quarenta horas semanais. Você parece exausto na tela do seu computador, sempre repetindo as mesmas coisas, fazendo as mesmas tarefas. Não se importa com o porque de estar fazendo, só faz. Olha para os lados e percebe que há mais quarenta pessoas fazendo exatamente a mesma coisa. Tira um cochilo, usa seu celular um pouco, enrola no banheiro e chega atrasado do horário de almoço, faz de tudo pra que o tempo passe o mais depressa possível.

Chega em casa, agora sim liga a televisão porque a voz do apresentador do jornal é a sua única companhia naquele momento. Finge prestar atenção nas notícias mas na verdade você não está nem aí pra algo que não seja a sua vida cansativa. Você se sente triste, sozinho. Nada vai melhorar seu dia, nem mais a mensagem daquela pessoa que você achava que poderia mudar tudo. Você só quer dormir logo, e esperar que amanhã seja melhor que hoje.

Mesmo sabendo que não vai ser, não é? 

Não é culpa minha, humano, se você não sabe aproveitar as horas que o universo te deu. Quer tempo demais, quer tempo de menos. O que você quer afinal? Quer moldar tudo a sua maneira, sem nem saber o quanto tudo que existe pode se tornar parte integrante da sua vida.

Ainda que no dia seguinte o sol esteja brilhando.

Ainda  que você receba uma mensagem de alguém dizendo que você é especial.

Ainda que você ache cinco reais no meio da rua.

Ainda que você fique rico.

Ainda que tudo seja diferente.

Ainda que... Não é suficiente. Nunca é. A felicidade nunca está ao nosso alcance. Não assim.

Nem do meu.

Nem do seu.

Nem do nosso.

De ninguém.